segunda-feira, 17 de agosto de 2009

AS MÃOS!

Mãos e meio-ambiente

Mãos que desperdiçam água e energia; jogam lixo no chão;
Mãos sem noção de mordomia!

Mãos que preservam e cuidam do meio ambiente,
Mãos com consciência planetária!

Mãos que produzem produtos orgânicos: ovos, leite, iogurte, milho;
Mãos que escolhem o consumo de produtos orgânicos!


Mãos e sabão

Mãos antes das refeições,
Mãos habituadas à higienização!


Mãos lavadas após a toalete usada,
Mãos que podem tocar e ser tocada!

Mãos na região oral,
Mãos com matéria orgânica!


Mãos de pessoas saudáveis,
Mãos hospedeiras de Candida parapsilosis!


Mãos e profissão

Mãos que curam,
Mãos amigas, altruístas e misericordiosas!

Mãos de um escritor, isto é, de um tradutor[1];
Mãos de um leitor ávido por palavras, também um tradutor!

Mãos que tocam mercadorias com e sem rastro,
Mãos do comprador!


Mãos de pintura,
Mãos de produção pictórica!


Mãos em serviços de saúde,
Mãos higienizadas, lavadas com sabão!

Mãos de manipuladores de alimentos,
Mãos em redução de contaminação com o banho constante!

Mãos que carregam tábuas, pedras, tijolos;
Mãos dos operários que constroem para os outros!

Mãos e sofrimento

Mãos que já apanharam,
Mãos que aprenderam a lição: bater nunca mais!

Mãos que lavam, em excesso, as próprias mãos,
Mãos compulsivas e obsessivas!

Mãos cravadas por pregos, em favor do transgressor;
Mãos dignas das marcas inevitáveis!

Mãos e agressão

Mãos que tocam maldosamente o corpo de uma criança,
Mãos transgressoras; quer seja com ou sem autorização!

Mãos de adultos transgressores,
Mãos que maculam a infância!

Mãos firmes, com o dedo em riste;
Mãos que não batem nas mãos, nem no corpo da criança!

Mãos agressivas, sem palavra;
Mãos que fazem xingamentos com os dedos!


Mãos e coragem

Mãos limpas, não de Gomorra[2],
Mãos que dizem não à corrupção!


Mãos que dão e sabem receber,
Mãos sem o toma lá e dá cá!

Paulo Alexandre.

Revisão do texto: Silvana P. Brito
[1] José Saramago afirma que escrever é um trabalho de tradução. Disponível em: < http://caderno.josesaramago.org/>. Acesso em: 27/jul./2009.
[2] Alusão ao livro do jornalista Roberto Sabiano: Gomorra, 2a ed., Bertrand Brasil.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

SONHO

Sentado ali foi que vi a menina franzina passar. Mexi com ela, chamando-a pelo apelido que tivera. Ela não deu bola. Talvez o apelido estivesse em desuso ou ela aprendera a não dar mais bola para apelido. Ela não era grande nem pequena. Ela tinha treze anos de idade.
A mãe, dizia que ela era muito fantasiosa e sonhadora ao extremo. A opinião da mãe a deixava muito nervosa. Sentia-se imprestável.
Porém, não queria ser conhecida como menina boazinha e prestativa. Ouvira colegas falar de mãos de adulto que passeavam sobre as pernas das boazinhas.
Não se engane, coisas assim acontecem!
O pai de Gina era de muita conversa.
É assim em quase toda casa, um é falante outro é mais calado. Há sempre pessoas diferentes ao redor.
Ele aconselhava, mostrava as razões pelas quais ela deveria pensar antes de tomar uma decisão. Ele a incentivava a ter coragem de ir e continuar tentando mesmo que, às vezes, um erro pudesse ser cometido. Afinal, só erram os que ousam. Julgava-a capaz de prosseguir sozinha, pois ninguém podia viver a vida no lugar dela.
Como todo adolescente, ela tinha lances de revolta e de lamentação, pois não queria ser menos do que podia ser. Porém algo era certo: ela sabia o que queria e tinha pressa de viver.
Era uma menina que não depreciava o presente.
Vivia intensamente cada momento. Amava os rios, as pedras, as flores, os beija-flores, as aves, as nuvens. Enfim, apreciava as coisas grandes e pequenas.
Era agradecida e festiva. Tudo era motivo para ser feliz.
Até mesmo receber uma simples correspondência, escovar os dentes e possuir seus objetos de higiene pessoal.
Gina tinha um irmão bem mais velho. Ele não a incomodava.
Ela sentia que estava chegando a hora de zarpar, de bater as asas e voar para longe. Sentia medo. Ir em direção do novo é desconfortável, causa medo. Este, não era só dela. A mãe, o pai e o irmão mais velho também sentiam.
A família estava tentando elaborar um luto, pois o corpo de criança desaparecera. Os seios, os pêlos púbicos, a menarca e a alteração da voz eram indicações de mudanças. Para todos eles era difícil falar sobre esse assunto. Se os pais soubessem que para ela era melhor ouvi-los dizer que os muitos “nãos” dados foram por medo. Medo de perdê-la. Medo de que ela sofresse. Medo de serem esquecidos. Medo, simplesmente medo!
Mas a adolescente queria era lançar-se ao mar desta vida. Queria como os discípulos de Jesus enfrentar o mar da Galiléia. E se a tempestade aparecesse a Jesus se apegaria.
Ela sabia também que o tempo dela era um tempo de preparação. Não podia deixar os pais e percorrer seu caminho nesse mundo antes da hora, apesar do desejo grande que tinha de zarpar tal qual navio.
A espera e a preparação para o futuro antecipavam a ansiedade. Foi assim que numa noite ela sonhou.
Sonhou com um poço. O lugar era deserto. Distante algumas mulheres pastoreavam seus rebanhos. Todas caminhavam em direção a um poço. Gina, no sonho, seguiu o fluxo. Foi parar em frente a um poço. Aproximou-se das pessoas que estavam próximas do poço. Havia uma moça enchendo um balde para dar de beber às ovelhas do seu rebanho. Gina, que era cara de pau, foi logo xeretando, querendo saber nome, endereço, e-mail, msn, Orkut, twitter e tudo o mais.
Por ser enxerida, descobriu que a pastora do rebanho chamava-se Rebeca. Esta, contou-lhe que levava o rebanho todos os dias à tardinha para beber água do poço, pois acreditava que um homem viria de um país distante para descobri-la como noiva do filho de seu Senhor.
E assim foi. Um dia Rebeca estava à beira do poço, quando o servo de um homem importante chegou. Pediu água para si e para seu animal de carga. Ela o deu. Ele se apresentou e disse que vinha de um país distante. Quis conhecer a família dela. O sonho dela se realizou. Rebeca casou-se com Isaque.
Quem sonha, cultiva. Seja rosa, violeta ou borboletas. Sonhar faz bem.
Gina acordou do seu sono e do seu sonho. Surpresa ficou, quando se lembrou, não de um sonho, mas de uma amiga que no poço passou um dia de castigo.
Em breve conto essa história.

Paulo Alexandre

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

ALGO ME SEPARA DE TI!

Este santo oferecimento dos meus desejos ao Absoluto ocorreu numa tarde de 2004, quando estava em meu consultório numa pausa dos atendimentos aos meus pacientes. Não verbalizei, mas escrevi. Traduzi meus sentimentos e pensamentos em palavras. Claro que, posteriormente, reli e fiz pequenos ajustes. Eis o que escrevi.

Nos velhos tempos do Antigo Testamento[1] eu viveria no átrio[2] dos gentios. O meu distanciamento de Ti[3] se daria pela etnia. Por mais que eu tentasse, lutasse, protestasse nada ou quase nada mudaria, tudo permaneceria como o estabelecido. Eu estaria lá, no átrio dos gentios; lugar dos homens que nasceram fora dos limites geográficos considerados santos[4], homens que não passaram pelas barrigas das mulheres cujos maridos eram homens destinados aos lugares mais sagrados. No passado o que me separaria de Ti seria a minha etnia. Eu seria classificado como o filho do profeta Oséias “não-meu-povo”. Mas o Senhor destruiu o templo, acabou com o lugar sagrado de poucos homens. Eles tiveram que aprender a adorá-lo sem lugar, pois Tu estás em todo lugar. Eles tiveram de aprender a fidelidade fora do lugar sagrado, pois o mundo é o lugar em que devemos viver para Ti. Sem o templo, representação do que havia de mais sagrado, o povo hebreu aprendeu a manter comunhão contigo através da leitura e meditação da lei. Foi nessa época em que a Sinagoga teve sua importância não como lugar dos átrios, da separação; mas do ensino da lei, da alfabetização dos meninos. Meninos fiéis como Daniel, Sadraque, Mesaque, Abdenego. O apego do teu povo à lei escrita, em substituição ao templo, era para treiná-lo na interpretação correta da chegada do Messias. E o Teu povo aprendeu a ser zeloso.

Senhor, mesmo que eu tivesse nascido no Período Interbíblico, eu não seria teu povo. Pois só os judeus tinham essa marca.

Acredito que nem um Zelote eu poderia ser, isto é, um revolucionário que se empenhava pela libertação do povo judeu da subjugação dos romanos. Nem mesmo Saduceu, pessoa doutrinada para não crer na ressurreição dos mortos. Não estaria entre os Fariseus, que se consideravam santos e que desejavam sempre formar um povo cada vez mais santo. Nem seria um Escriba. Homem com 40 anos de dedicação à vida acadêmica, para copiar as sagradas letras. Copiava letra por letra e, ao se deparar com o Teu nome impronunciável, trocava de caneta para com ela, única e exclusivamente, escrever o nome de Iavé.

Eu pela insistência em Ti servir seria apenas um “temente”.

Na realidade, é mais provável que eu estivesse entre os romanos, adorando as divindades. Usaria um véu em minha cabeça, para em sinal de submissão à autoridade dos deuses, um sacrifício oferecer.

Senhor, eu Te agradeço. Teu Filho Jesus Cristo rasgou o véu que me separava de Ti, quebrou os átrios, tornou possível uma vida santa no mundo independente de etnia.

Senhor, eu me entristeço; pois nós ainda construímos muros de separações. Achamo-nos mais santos que os outros; construímos simbolicamente átrios para as mulheres e crianças, e, um lugar especial para os homens que consideramos mais santos. Muitas vezes, parecemos fariseus, saduceus, zelotes, escribas...

Sei que, no que depender de nós (humanos), estamos cada dia mais distantes de Ti. Tu és Aquele que derruba os muros da separação. Peço-te que derrubes os meus muros: minha incapacidade de enxergar os teus propósitos em favor do próximo, minha incompetência de abandonar os caminhos da separação...

Eu confesso: sem perceber eu posso estar cada dia mais longe de Ti. Por isso, cuida de mim!
Paulo Alexandre

[1] Alusão aos 39 livros da Bíblia.
[2] Alusão ao templo de Salomão que tinha lugares específicos para pessoas não judias, ou para as mulheres, etc.
[3] O Ti se refere a Deus, o Absoluto.
[4] No Antigo Testamento o povo escolhido está entre os Hebreus.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

IMAGÉTICA DA MÃO!

Mãos do João, do Abraão, do Moisés e do Paulo;
Mãos masculinas!
Mãos da Maria, da Márcia, da Sara e da Edna;
Mãos femininas!
Mãos de pai e de mãe, tanto do coração quanto biológicos;
Mãos para o bem, que devem proteção e carinho à criança!

Mãos de tio e de tia, de avô e de avó;
Mãos familiares e responsáveis!
Mãos de criança,
Mãos frágeis e dependentes!
Mãos de adolescente,
Mãos em situação peculiar de desenvolvimento!
Mãos que brincam,
Mãos da infância, da adolescência e da “envelhescença”!

Mãos divina, todo-poderosa;
Mãos, boa e segura, que guiam!

Mãos e lateralidade

Mão esquerda,
Mão canhota!

Mão direita,
Mão destra!

Mãos que escrevem,
Mãos destras, canhotas e ambidestras!

Mão direita que toca a orelha esquerda,
Mão que treina lateralidade!

Mão esquerda que toca o olho direito,
Mão em treinamento!

Mão direita que ergue a perna direita,
Mão insistente no treino!

Mãos surpresas diante de pés que seguram o giz e escrevem[1];
Mãos de pessoas que apenas sabem desenhar o próprio nome!
Paulo Alexandre

[1] Alusão ao filme: Meu pé esquerdo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A NOIVA

Não era um dia como qualquer outro, apesar de aparentar mesmices: o brilho do sol, a beleza da paisagem, os pássaros cantando em sinal de demarcação de território. Uma excitabilidade agradável envolve a moça bonita que receosa se aproxima da imponente catedral. Cada passo dado representava para ela vida nova e abandono de uma vida conhecida.

Enquanto subia a pequena ladeira, avistava a escadaria do belíssimo monumento arquitetônico que escolhera para realizar sua tão sonhada cerimônia de casamento. De frente para uma bela praça, ladeada por duas ruas comerciais e de costas para uma importante avenida de acesso a ambulatórios e hospitais esperava seu público alvo: as noivas. O templo ladeado por dois grandes coqueiros, de copas bem formadas e aninhadas de pássaros, faziam a noiva se lembrar do sagrado texto: “o pardal encontrou casa, e a andorinha ninho para si, onde crie os seus filhotes, junto aos teus altares, ó Senhor dos exércitos, Rei meu e Deus meu”.

Ao pé da escadaria, os olhos da moça se elevam às alturas contemplando o azul celeste.

Agradecida pela bênção do casamento naquela igreja, balbucia algo ao criador.

A noiva era muito bonita. Quem por ela passava, observava sua beleza. Havia algo naquela jovem, esbelta e biófila, que atraia os olhares das pessoas. Ela era de fato muito linda, linda, linda mesmo. Difícil descrevê-la.

Ela, ao pé do templo, do espaço conhecido como sagrado, que escolhera para unir-se em matrimônio com alguém. Subiu o primeiro e o segundo lance de escada contando cada degrau, antes de subir o último lance com doze degraus parou para observar a praça com ipês amarelos, coqueiros, grama aparada e o colorido das flores. Por poucos momentos apreciou a brisa acarinhando a sua pele, imaginando as mãos do ser amado tocando seu corpo como o verso sagrado diz: “A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a sua direita me abrace”. Balbucia: que gostosura. Continua a subida e chega ao hall de entrada, passa pela porta da frente da nave do templo e caminha em direção ao altar. Conta os passos da entrada do templo ao altar. Imagina-se na noite em que dará cada passo da entrada ao altar e cumprimentará cada convidado, da direita e da esquerda, com um discreto sorriso enquanto todos eles estarão em pé ouvindo a marcha nupcial e olhando para ela o centro de toda atenção.

Os passos do reverendo interrompem sua antecipação do futuro. Um homem de uns trinta e dois anos de idade a cumprimenta e se apresenta como pastor daquela paróquia. Ele a convida para o escritório paroquial, uma sala bem iluminada, com um divã azul marinho, um sofá de dois lugares e uma poltrona. Ele sentou-se na poltrona e deixou-a escolher entre o divã e o sofá. Ela sentou-se no sofá, por achá-lo, mais confortável. Conversam sobre a liturgia da grande noite. A fala dela, nos pequenos questionamentos, penetrava delicada e suavemente os ouvidos daquele santo acostumado à escuta de suas ovelhas.

Ela preocupada com o sobrenatural, mas atenta para o que estava tão perto dela; revela-se romântica, sonhadora, confiava que um dia a graça do Senhor Soberano do Universo lhe traria alguém, não a cara metade, não a alma gêmea. Mas, alguém inteiro de carne e osso com quem ela poderia partilhar a sua vida.

Seu sonho estava sendo realizado. Ela sabia que a felicidade que almejava não viria numa caixa de presente com um belo laço encima. O que contava era seu esforço de viver cada dia agradecendo pelo privilégio da aventura de viver...

Paulo Alexandre

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Tempus Fugit

Saudade palavra triste quando se perde um grande amor, ouvi tanto essa canção na infância. Saudade vem com a distância. Sente-se saudade do tempo que passou. É seguro pensar no passado imutável. Um amigo costumava contar-me, com saudade, as suas andanças pelo país. No final da década de 80 e início da de 90 ele realizava mais uma de suas aventuras. Mudança de cidade, por causa do seu trabalho. Para ele isso era um prazer indescritível. Creio que sem essas aventuras ele seria um peso morto. Entretanto, as mudanças renovavam suas forças, elas eram o seu sentido (logos), o seu algo. Amava a expectativa do novo, do que encontraria: nova casa, novo ambiente de trabalho, nova etapa acadêmica, nova vizinhança. Enfim, muitas novidades. Apesar de nem tudo ser agradável em uma mudança, que pode gerar um pouco de insegurança e ansiedade, ele gostava do friozinho na barriga da possibilidade de que algum infortúnio ou perigo pudesse acontecer. Sua busca diária era por algo, pois já tinha alguém muito especial. Do fruto da sua relação conjugal de vários anos, quatro belos filhos era sua herança. Dois meninos e duas meninas, uma escadinha de dois em dois. Mas, provações não faltam. E elas são boas, pois nas horas das dificuldades se coloca à prova a filosofia de vida que se tem nos dias alegres (Elisabeth S. Lukas, 1993). E ninguém está livre de provações. O Senhor Jesus foi provado por 40 dias no deserto. Satanás ofereceu-lhe riqueza, poder e desafiou-O em relação a sua condição de Filho de Deus. Jesus permaneceu firme, sereno e tranqüilo, mantendo nos lábios a recitação da Palavra de Deus. Os ouvidos do tentador não suportaram por muito tempo as recitações das Escrituras, que jamais voltam vazias. O ser angelical do mal fugiu. É como diz o apóstolo Pedro: resisti ao tentador e ele fugirá. José, filho de Jacó, foi provado por várias vezes e de muitas maneiras. Numa de suas provações a mulher de seu patrão o assediou sexualmente. Ele resistiu. Ao perceber que os seus argumentos não eram fortes para impedir a esposa do patrão em seu intento, ele saiu correndo, abandonou aquela cena. Como a corda sempre arrebenta do lado mais fraco, ele foi parar na prisão. Mas lá encontrou um novo sentido e começou a prosperar. É como diz Frankl (1990), a pessoa humana está à procura de sentido em algo ou alguém, que não seja ela própria. Não há nada de errado em ser provado. O erro está em ceder à provação. Quem cede mancha a filosofia de dias alegres. Quem nos dias alegres proclama que vai viver na alegria e na tristeza com o seu amor, confirmará a força de suas palavras quando for acometido pelas dificuldades. Há quem tenha coragem de dizer nos dias alegres: Custe o que custar vou fazer a minha amada feliz e terei como efeito colateral a felicidade. Entretanto, nos dias felizes se fala muita coisa. Mas no dia em que a dificuldade bate à porta a filosofia de vida dos dias alegres é provada. O noivo, no altar embalado pela emoção do momento, diz belas palavras para a noiva, diante de todas as testemunhas. Palavras que serão provadas no cotidiano da vida a dois, enquanto se come um quilo de sal juntos. No caso do meu amigo, a vida havia preparado para ele uma inesperada provação. Diante dela, ele teve de se perguntar: “O que a vida espera de mim[1]” diante dessa prova?

Paulo Alexandre
[1] Viktor E. Frankl.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

AS COISAS NÃO SE EQUILIBRAM NUM PASSE DE MÁGICA.

Eu vivi muitos dias com medo de um ataque de pânico. E quem viveu o medo, o pavor de sintomas incômodos não é mais um ser humano normal. Quem passou pelo campo de concentração jamais esquecerá o horror, o cheiro de morte e a perda de controle. Viver o que a vida espera de uma pessoa é muitas vezes se entregar ao seu destino de maneira completa e digna. Viver fora dos limites do campo de concentração exige uma re-aprendizagem. Eu teria de aprender a viver sem o medo de um ataque de pânico. Horas e horas da minha vida foram consumidas por sintomas e pensamentos recorrentes de medo de que os sintomas de pânico aparecessem novamente.
A pessoa que vivenciou sintomas apavorantes como os de pânico precisa saber que não é mais vítima, mas escolhe a reação singular. Não importa o que os sintomas exijam dela, importa sim, a reação única que só ela pode esboçar. É a liberdade que a pessoa tem para decidir como vai reagir ao que os sintomas lhe fazem. Ela já sabe que controlar sintomas involuntários não funciona. Predispõe-se a vive-los novamente, se for preciso, mas sabe que não será como da vez anterior, pois tem agora uma técnica de controle: o cultivo de uma amizade com o seu medo.
Seria maravilhoso se existisse uma poção mágica para nos isentar de vivermos sintomas como os de transtornos de ansiedade. Mas a realidade é que poção mágica não existe. Pedi para alguém que trabalha com bisqui fazer três enfeites de mesa que entendi simbolizam o desejo humano pelo que é mágico. Duas chaleiras e um caldeirão, todos com o rótulo: “mandrágoras”. No Antigo Testamento as mandrágoras eram consideradas plantas da fertilidade, por isso Raquel a esposa amada de Jacó quando soube que Lia sua irmã (a outra esposa de Jacó da imposição da cultura da época) tinha uma poção de mandrágoras negociou com ela. Deu em troca da planta mágica o tempo que teria com Jacó. O que é mágico não funciona. Advinha quem ficou grávida?
Depois que os sintomas de pânico começaram a se espaçar comecei a pensar numa forma de utilizar o meu tempo livre que tinha agora. No processo de psicoterapia o psicólogo insistiu: “O que você fará com o tempo livre que terá na remissão dos sintomas?” Enquanto estava com medo de um novo ataque de pânico gastava tempo e energia envolto no medo do próprio medo. Agora sem o medo do próprio medo terei tempo livre para pensar outras coisas e planejar no presente a minha vida. É bom na crise refletir sobre o que se irá fazer quando não mais vivenciá-la. Isto ajuda a elaborar o futuro e a reagir no presente. E hoje tenho mais tempo para leitura e reflexão, estou aprendendo a viver sem a imposição do medo.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O PÃO QUE DESCE DO CÉU

Foi-me dado este tema para falar aos adultos da Escola Dominical da Igreja Presbiteriana no Jardim Itapuan. O público alvo é experiente. Há adultos de diversas idades; desde pessoas com quase noventa anos de idade, em pleno exercício de suas faculdades físicas e mentais, até os mais novos com seus trinta; que já ouviram grandes pregações de ilustres reverendos do passado e do presente. Mas, o desafio é maior ainda. Entre os participantes, há os que também ministram, e há os que já ministraram o tema. Entretanto, estou abrigado pela expectativa de que a comunidade é totalmente diferente das demais, pois ela é conhecida pelo amor, tal como a comunidade do discípulo amado.

Pensei em iniciar a aula com uma pergunta.

Ao ler o tema da lição que palavras vêm a sua mente?

Faria uma pausa e abriria para ouvir algumas opiniões. Isto me permitiria rapidamente realizar um diagnóstico da profundidade do conhecimento teológico do meu público em relação ao tema da lição.

Minha expectativa em relação à escuta dos comentários em relação à primeira pergunta.

Esperaria escutar algo como: “O pão que desce do céu” é, em primeira instância, suprimento de necessidades. Eu tenderia a usar a maiêutica[1] perguntando: como assim? Esperaria uma reflexão que se alicerçasse no binômio “necessidade e desejo”. Talvez a pessoa de posse da oração dominical (Mateus 6.9-15) argumentasse que Deus é quem supre a necessidade humana do pão diário, isto é, das necessidades básicas. Assim, o tema da lição estaria apontando para um Deus de amor que supre necessidades dos seus solicitantes. Afinal, o Senhor Jesus foi quem ensinou os discípulos a orarem, a partir do modelo dessa oração. O pão nosso de cada dia, dá-nos hoje; é o que a oração ordena. Ao levantar-se, antes do café da manhã, ou, antes de sair de casa, a pessoa deveria ajoelhar-se e dizer aos céus: “o pão nosso de cada dia, dá-nos hoje”. Feito isso, ela poderia sair, para ganhar o sustento da sua casa, buscar o necessário, como se diz “matar quantos mamutes fossem possíveis”. Seria uma atividade afeita ao sagrado. Trabalho é bênção divina. Deus disse, no paraíso, ao homem e à mulher: “guardem e cuidem do meu jardim”. As dificuldades do trabalho são decorrentes do pecado de nossos primeiros pais[2]. Alguns dias atrás minha esposa encontrou-se com alguém de nossa comunidade cristã numa loja de cosméticos. A pessoa estava tão bonita, tão arrumada, tão alegre, de auto-estima elevada que no primeiro contato minha esposa não a reconheceu. Ela estava trabalhando ali. O trabalho é bênção de Deus, ele faz as pessoas se arrumarem melhor, se aprimorarem, buscarem novos idiomas. O trabalho transforma pessoas sem sonho em grandes sonhadoras, ele insere a consciência do respeito ao outro a partir da ética profissional, ele até ajuda na instalação da consciência planetária.

Ficaria com vontade de questionar se a categoria denominada desejo, que se opõe à necessidade, passa também pela providência divina. Tenho certeza que alguém do meu público citaria Romanos 12.1. Passagem bíblica que ressalta “a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Outro ainda poderia citar-me Provérbios 16.1-3, no qual, encontra-se, a afirmação de que “a pessoa pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor”.

Creio que outros ainda poderiam me lembrar do maná, alimento que caía do céu toda manhã como sinal da providência divina, para um povo que estava em marcha no deserto em direção a uma terra, não qualquer terra de escolha humana. Era a Terra Prometida, escolhida por Deus. Não se sabe com certeza como era o maná. O que dele se sabe é que devia ser recolhido de manhã. Cada família pegava somente o necessário para o dia, nem mais e nem menos. Os que arriscavam pegar um pouco a mais para guardar tinham a surpresa de alimento estragado. Maná era comida do céu, expressão do amor divino, do cuidado de um Deus soberano, Imperador absoluto, mas acessível.

Alguém ainda poderia lembrar-me de que o pão que desce do céu pode ser uma referência ao Evangelho do discípulo amado, no qual relata a encarnação do verbo. Deus se fez pessoa, habitou entre humanos, esvaziou-se de Sua Glória para viver entre os cansados e oprimidos. Esse discípulo de Jesus escreveu que o Senhor realizou o milagre da multiplicação dos pães e tirou como lição que Ele era o pão da vida. O verdadeiro maná celestial era o verbo encarnado, que tabernaculou entre as pessoas.
Paulo Alexandre
[1] Método Socrático.
[2] Gênesis 3.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Oi! Eu sou o Júnior.

Oi! Eu sou o Júnior. Tenho onze anos de idade. Meu nome significa combatente dedicado. Meu nome é igual ao do meu pai, que se chama Ernesto. Papai acredita que ao crescer vou descobrir o sentido do meu nome.


Eu moro com meu pai. Minha mãe mora em outra casa com o marido dela. Sou filho de pais separados. Eles se separaram quando eu ainda era bem pequeno. Sei que as diferenças os impediam de viver felizes como marido e mulher. De vez em quando eu visito mamãe. Ela, até hoje, diz que o casamento falhou, mas que eu fui o que deu certo da relação conjugal. Faz questão de revelar que a hora do meu parto foi tranqüila, não sentiu dor, nem ficou desiludida ao me ver pela primeira vez. Para os dois o meu nascimento foi só alegria. Eu acredito neles! São sinceros! Às vezes eu gostaria que eles voltassem a viver juntos. Mas sei que eles não seriam felizes.

Quando eu faço algo de errado meu pai conversa muito comigo. Eu não me lembro de ter apanhado dele alguma vez em toda minha vida. Mas com o Victor é diferente.

O Victor meu amigo, um amigão, mora com a mãe e o pai. Ele tem uma irmãzinha, que apronta mil e uma com ele. Um dia desses o Victor estava muito chateado na escola.

Resolvi lhe perguntar:
- Você está legal?
- Apanhei de chinelo em casa – reclamou.

A irmãzinha havia aprontado e ele, como sempre, levou a culpa. A mãe não o perdoou, pegou o que tinha perto de si e sentou nas costas dele, foram três ou quatros chineladas. A mãe bateu pouco. Entretanto, bateu muito. Ele sempre a obedecia, jamais reagiria. Ele não chorou. E, por isso, quase apanhou ainda mais. Não fosse o correr para o quarto e lá se trancar.

Na chateação, pensara até em fugir de casa. Mas não tem para onde ir. Eu tenho a casa de minha mãe, eis uma das vantagens dos filhos de pais separados.

Esse sofrimento do meu grande amigo me fez pensar na razão pela qual os pais batem em seus filhos.

Por isso, convidei o Victor para uma investigação sobre a mania de bater. Começaríamos ouvindo os nossos pais, depois duas professoras da escola e em seguida algumas crianças, colegas da nossa sala de aula. O Victor entrevistaria a mãe dele e eu meu pai. Iríamos juntos entrevistar as professoras escolhidas: a de português e a de ciências. E, finalmente, daríamos voz às crianças da nossa classe a respeito desse tema delicado e polêmico.
Combinamos também que para os adultos perguntaríamos: “por que os pais batem nos filhos quando acham que eles fizeram algo de errado?” Já para as crianças a pergunta seria: “Qual a sua opinião sobre apanhar dos pais?” Assim, fomos ao trabalho.

Que ansiedade! O meu coração batia acelerado. Os minutos pareciam horas. Não via o momento de ir para casa e contar essa novidade para o papai. Era quase impossível agüentar toda aquela efervescência dentro de mim.


Trecho do livro. Para compra: http://www.asabeca.com.br/ ou http://www.tempoparatudo.com.br/


segunda-feira, 27 de julho de 2009

ACRÓSTICO DA PALAVRA MULHERÃO!

Alguém me disse[1] ter recebido de uma amiga, que fazia muitos anos que não a via, o seguinte elogio: “você está um mulherão”. Ao ouvi-la, não tive dúvidas. Incentivei-a a fazer um acróstico com a palavra de seu elogio. Ela aceitou o desafio.

Assim, ela escreveu mulherão na vertical e para cada letra de seu elogio escreveu uma palavra, preferencialmente, a que viesse primeiro à mente. Veja como ficou o acróstico:

M - Macho
U - Unha
L - Lápis
H - Hoje
E - Errado
R - Rato
A - Amor
O - Omelete

Desta maneira, no acróstico as palavras que estão entre macho e omelete são: unha, lápis, hoje, errado, rato, amor.

Feita essa parte da tarefa, solicitei que escrevesse uma frase usando as oito palavras originadas da palavra mulherão.

O resultado foi o seguinte texto: “O macho tem unha e hoje olhou errado para elas. Quando viu o rato escreveu no caderno à caneta, porém achou melhor escrever à lápis para seu amor. Sentiu fome e foi comer o seu omelete”.

Minha análise[2] do texto resultante da palavra mulherão.

Vou analisar primeiro o acróstico.

Entre as palavras macho e omelete existem outras seis palavras. Há semelhanças entre macho e omelete na medida em que ambas podem apontar para a relação de gênero. Omelete se faz com ovos! Ovo me faz lembrar de óvulo, produção feminina. Assim, entre homem e mulher há inúmeras distâncias.

Unha cresce, por isso é necessário cortá-la para não ferir os outros. Há órgão que cresce! E precisa de controle, de domínio próprio. Se cortados, amputados, não funcionam mais. Mas existe pessoa que tem vontade de mandar cortar órgãos masculinos sem domínio próprio que se aproveitaram da situação de vulnerabilidade da infância ou da adolescência. Diga-se de passagem que a Lei é o caminho que se tem para impor limites sobre os donos desses órgãos. Por isso, a denúncia é importante em caso de abuso sexual. A unha é como o nariz do pinóquio, cresce! O nariz do pinóquio cresce quando a boca do menino de madeira pronuncia mentira. Esta, é uma coisa errada. Também é errado se envolver sexualmente com a própria filha, o próprio filho, ou neta/o, sobrinha/o. A Bíblia diz em Levítico 18.9-15 que não se deve envolver sexualmente com a irmã, seja ela filha do pai ou da mãe; não se deve envolver sexualmente com a neta; não se deve envolver sexualmente com a tia ou tio. Enfim, a Bíblia diz que esses tipos de comportamento são errados.

O lápis é um instrumento para a educação. Esta, é um processo em que se ganha e se perde. Quem aprende a escrita e a leitura ganha na capacidade de tradução[3], pois tem que traduzir pensamentos em palavras. No início da minha carreira acadêmica usava muito o lápis. O argumento da minha professora era o de que se eu errasse poderia apagar. Mas a caneta seria usada quando a minha capacidade de acerto estivesse mais acentuada. Voltando à frase. A autora da frase afirma que “o macho quando viu o rato escreveu no caderno à caneta”. O rato representa o que é nojento, impuro. Não me refiro à cobaia de laboratório, mas a ratazana. Esta, sai para buscar comida entre os dejetos, o lixo de casa, dos bares, restaurantes. Enfim, excetuando Firmin (leia os apontamentos sobre o livro) e as cobaias bonitinhas, os demais ratos são asquerosos. Mas na frase a autora diz que o macho escreveu à caneta no caderno, diante de um estímulo chamado rato. Quando se escreve à caneta fica mais difícil de se apagar. Entretanto, o mesmo macho, escreve à lápis para o seu amor. Escrever à lápis é frágil. Ninguém aceita um contrato assinado à lápis, mas à caneta. Lápis pode se apagar. A impressão é que a autora, consciente ou inconscientemente, afirma que macho de respeito gosta de coisas nojentas e impuras; mas em relação ao amor ele é falso, pois escreve à lápis. Diga-se de passagem que os machos são considerados nojentos pelo universo feminino. Conversando sobre os medos da autora da frase ela segredou-me que o rato é um deles. Escrever o medo à caneta é marcante. Medo quando se instala se torna forte, quanto mais se foge dele mais ele aparece. Só vai embora, definitivamente, quando se faz uma amizade com ele. E medo não quer relações de amizade. A autora também disse-me que o amor é para ela um enigma, uma desilusão. Talvez, por isso, ela tenha usado o macho para transferir-lhe suas decepções em relação ao amor.

Hoje é uma palavra muito interessante. Gosto muito dela. Hoje é o dia que se tem para realizar o amanhã. Quem deprecia o presente enfraquece o futuro. Essa idéia da depreciação do hoje aprendi com Viktor Emil Frankl. Ele diz que a pessoa que se agarra às coisas do passado deprecia o presente, bem como a pessoa que se preocupa excessivamente com o futuro. Deve-se viver o dia de hoje intensamente. O Senhor Jesus disse: “basta a cada dia o seu próprio mal”. A autora da frase está cheia de planos no presente e o vivencia intensamente.

Errado, outra palavra que apareceu entre o macho e o omelete. Errado e certo é hoje uma linguagem religiosa. Entre outros profissionais se fala em bom ou ruim. O certo e o errado no século XXI estão fora de moda. Desta forma, falar em errado dá um ar de absurdo! Mas há absurdos que se comete em nome do direito de educar. Como pais que acham que podem bater, espancar o filho ou pais que criam e acham que tem o direito de deflorar a filha. É errado!

Sobre o rato falei em relação ao lápis e à caneta, bem como teci algum comentário sobre o amor.

Para finalizar, a frase termina dizendo que o macho ao sentir fome foi comer o seu omelete. Os machos ainda são assim! Objetificando o outro. As mulheres ainda reclamam que os machos as procuram para sexo e não para carinho desvinculado de sexo. Macho quando está com fome quebra os ovos e faz omelete, pode até não ficar muito saboroso. Quem nunca riu de uma situação encenada nos filmes em que o macho procura o amor de sua vida e dois minutos depois tudo já está resolvido.

Bem, é isso.
[1] Esclareço que a pessoa deu-me autorização do uso de sua fala. Contudo, mantenho seu anonimato.
[2] Reconheço que há muitas formas de se analisar.
[3] José Saramago diz que a escrita é uma tradução.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

ENTREGANDO-ME AOS SINTOMAS(MEDO...)


Fiz tudo o que me disseram para que eu pudesse ficar livre do medo. Só não fiz o que deveria ter feito logo no início dos sintomas da ansiedade. Temia ir a um psicólogo, que bobagem penso hoje. Quando iniciei o tratamento, várias vezes, me dirigia ao consultório desse profissional, que me fora indicado, a um custo emocional enorme. Eu entrava na sala e verbalizava: “Você não tem idéia de quanto é difícil para eu estar aqui!”. No início das consultas tranqüilizei-me. O profissional entendia o que eu estava sentindo. Ele ia falando meus sintomas e dando-me confiança para enfrentar aquela situação. Muitas vezes ele repetiu: “Um ataque de pânico atinge seu pico em geral em dez minutos ou menos”. Eu ficava assustado quando ele tentava me induzir a crer que o medo do próprio medo era alimentado pelo meu esquema de fuga. Mas como eu poderia convidar sintomas tão aterrorizantes para participarem da minha vida. Eu os queria bem longe de mim. Fui aprendendo a lidar com os meus temores. Até que um dia no trânsito congestionado eu comecei a verbalizar: “Eu quero ter os sintomas de pânico para poder saber lidar melhor com eles”. Quanto mais eu queria, menos eles apareciam. Comecei o enfrentamento. Todos os dias eu convidava aquela pontinha de medo para fazer parte do meu dia. Mas ela, a pontinha de medo, não se interessa por uma boa amizade. O que ela queria era assustar-me e não conviver. A convivência, a amizade, revela a beleza escondida do outro. E medo que se dê ao respeito não quer saber de amizade, senão não é medo. Comecei a ficar mais confiante e convidava o medo para uma convivência. Quando eu ia viajar ficava pensando no trânsito, desejando passar mal num congestionamento intenso. É interessante que quanto mais eu evitei, mais os sintomas ficaram fortes. Quanto mais eu desejei, menos sintomas eu tive. Confesso que fiquei com muito medo que os meus pensamentos se materializassem. Afinal, acreditava na força do pensamento. E eu estava aprendendo que o medo tinha força enquanto eu esboçava certa vulnerabilidade. Quando eu o desejava ele se sentia ameaçado e me deixava. Estava aprendendo a assustar o medo que antes me apavorava. Que maluquice essa minha. Eu não queria ser desse jeito. Mas aprendia que me censurar o tempo todo não ajudava muito no enfrentamento do medo do próprio medo. Minha convivência com o medo foi tão importante para a superação do medo que até batizei-o e fiz um poema para ele. Ei-lo:

Medo

Por que você me persegue?
Por que você existe?
Por que você apareceu?
Você piora muito as coisas!

Por sua causa tenho horas de sofrimento;
Por sua causa me é impossível ser igual aos outros;
Por sua causa eu estou inquieto;
Por sua causa tenho uma sensação de falta de liberdade.

Medo, eu não o quero;
Medo, eu não o admito mais;
Medo, lutarei para derrota-lo;
Medo, vence-lo-ei;
Medo, você é meu amigo!
-x-x-
Texto de Paulo Pinto Alexandre
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