segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Viajei

Quinta-feira à noite fui para um lugar de refúgio. Lugar dos outros, mas meu durante três dias. Todos precisam de um lugar de refúgio. Elias depois do monte Carmelo recuperou suas forças e, acima de tudo, seu para quê na caverna. Esta, não é para muitos dias. Quem aprendeu a viver fora da caverna não consegue retornar para lá e ficar para sempre. É como a casa dos pais. Quem dela saiu, se voltar sofrerá intensamente. Mas, de quando em vez ir a casa da família de origem é bom.

Contemplei os montes. Elevei meus olhos para eles. Observei o ritual dos pássaros à tardinha, antes do escurecimento de cada dia. Eles fazem sempre a mesma coisa e louvam a Deus na repetição do ritual. O odor do pasto, como é bom. O bom perfume da fazenda, do gado. O verde da grama, as flores, os beija-flores, tudo em harmonia. A natureza expressa a Deus.
Li o que queria. É bom demais! Ler é muito bom. Acho que os médicos deveriam prescrever leituras como remédio. Está alguém doente? Fale com o Criador e leia. Leia as sessenta e seis cartas de amor. Leia a tempo e fora de tempo.
A leitura que fiz me levou ao encontro de Jeremias 49.11. Uma viúva que aos 36 anos de idade tinha nove bocas para sustentar, nove pés para calçar, vestir... Ela encontrou refúgio na promessa bíblica. Ela apegou-se a esse texto para sempre.
Temos dificuldade de apego tão forte. Apegamo-nos a um texto bíblico para um dia. Estamos envoltos por uma cultura do descartável. Usa-se e joga fora, como se houvesse um lugar para o lixo que não fosse o próprio lugar de nossa habitação. É como excluir arquivos do HD do computador. Ele deve ir para algum lugar que não é o lixo da casa, do escritório. Daí a nossa dificuldade de uma consciência planetária. Pensamos apenas em nosso mundinho.
A leitura que fiz encheu-me de motivação. Não há casos perdidos. Dessa mulher um rebento foi brilhante e marcou a vida dos outros. Mas, antes disso foi líder de meninos desocupados, aborrecia os vizinhos, não parava em emprego, não gostava de estudar, queria algo que nem ele sabia o que era. Mas aquele texto bíblico da jovem viúva cumpriu-se nela e nas suas flechas.
No meu refúgio encontrei-me com o quixote. Um cachorro amigo, de olhar humilde, que espera ser convidado para acompanhá-lo para lá e para cá. Gosto dele. Eu o chamava e ele vinha. Quando ele estava a fim de descansar eu o deixava e vice-versa.
No meu refúgio pude abraçar e fazer oração com a mulher da minha mocidade olhando os montes. Caminhamos juntos para enganar o nosso DNA. Fomos à cidade, à praça, tomamos sorvete de massa. É muito bom ter família. Pessoas que estão próximas que compartilham objetivos comuns. É muito bom aproveitar o dia que Deus nos dá. É bom saber que Deus é o nosso refúgio sempre.
É isso.
Paulo Alexandre

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Um homem que queria ser escritor.

Era uma vez um homem que queria ser um grande escritor.
Um dia ele sentou-se confortavelmente em frente ao seu computador, primeiro pôs a mão direita sobre o teclado, depois a esquerda e começou a digitar uma letra aqui outra ali, e outra ainda acolá. Lia o que escrevia e reescrevia por não ter gostado do texto.
Aquele homem passou horas à frente do computador. Escrevia, lia e reescrevia. Depois de horas de trabalho, percebeu que não havia escrito o suficiente para ser um grande escritor.
Chateado, levantou-se da cadeira, foi ao banheiro, fez o que tinha de fazer. Voltou, sentou-se novamente em frente ao computador.
E resolveu que não mudaria de idéia, ficaria ali, mexendo no teclado até que conseguisse escrever uma bonita história para as crianças.
As horas foram passando, e o homem ali, digitando uma palavra, uma frase e outra e ainda outra. Mas nada o agradava.
Os olhos já estavam cansados.
Os dedos estavam doloridos.
O cérebro irritado.
Sem mencionar as outras partes do corpo, ali inertes.
Foi assim que brotou o plano para tirar aquele homem da frente do computador. Só assim o corpo poderia descansar.
A idéia inicial foi do cérebro que cuidou do desenvolvimento de uma história. Como o cérebro não podia digitar o texto e nem realizar a correção gramatical. Convidou os dedos das mãos para escreverem a história e os olhos para a supervisão da digitação.
A mão direita e a esquerda concordaram com o plano e avisaram todos os dedos para ficarem atentos às ordens do cérebro. Eles precisariam ser rápidos às ordens do cérebro para que o homem não tivesse condições de controlar o escrito. Os olhos estariam atentos para a leitura.
Os três estavam prontos: o cérebro, os olhos e os dez dedos das mãos.
O cérebro disparou uma mensagem para as mãos e estas repassaram a mensagem para os dedos. Estes, não perderam tempo: escreveram.
Quando o homem percebeu que os dedos estavam escrevendo rapidamente, sem o seu controle, tentou para-los, mas não conseguiu. Os olhos, atentos ao escrito, comunicavam o cérebro quando havia algum erro de digitação e o cérebro informava os dedos para a correção.
O homem tentou parar de escrever, mas não conseguiu impedir o plano.
O cérebro, os olhos e as mãos com os dedos fizeram um complô para concluir a história.
E assim eles escreveram durante quarenta e cincos minutos sem parar. Quando pararam de escrever o homem já estava cansado, mal podia ler o que foi escrito e muito menos reescrever ou apagar. Por isso, foi é descansar.
A boca riu de felicidade, os pés correram para o sofá, os ouvidos apreciaram o silêncio, os dedos das mãos descansaram, os olhos se fecharam e o cérebro ficou ali quietinho trabalhando em ritmo mais lento.
No dia seguinte, o homem foi ler o que estava escrito.
Ele não gostou do que leu, aquela história tinha que ser apagada.
Quis apagar, mas o computador travou.
Após reiniciá-lo de novo tentou deletá-la, mas o computador travou novamente.
Achou estranho o que estava acontecendo.
Percebeu que havia algo diferente.
Pressentiu um complô.
O homem pensou: “Como vou fazer sucesso com uma história tão triste?”
Ele notou que os dedos da mão se comportavam de maneira estranha, os movimentos e os gestos eram comprometedores. Pareciam que estavam escondendo alguma coisa.
Ficou magoado com os dedos.
Ele não os havia autorizado a escrever.
Sabe o que os dedos escreveram a mando do cérebro e sob a supervisão dos olhos?
Bem, isso eu conto depois.
Paulo Alexandre.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

BATER EM ANIMAL É CRUELDADE!

A punição física é uma realidade no relacionamento de pais e filhos. Pesquisa realizada no SOS Criança, em Curitiba (PR), mostrou que 51% das denúncias de pais por maus-tratos referem-se às agressões físicas, sendo que deste porcentual 38,5% correspondem à violência física e 12,5% à agressão sem lesão aparente[1]. Em Curitiba, 90% das crianças e adolescentes apanharam particularmente dos pais[2]. A palmada, por exemplo, está muito difundida no meio familiar e é considerada pelos pais e até mesmo por alguns profissionais da saúde isenta de riscos para o bom desenvolvimento infantil. Entretanto, pesquisas recentes apontam que a palmada pode chegar a se tornar abuso físico contra a criança[3].
A punição física contra a criança no ambiente doméstico é compreendida, de um lado, como prática normativa ou educativa; de outro lado, a punição física contra a criança no ambiente doméstico oscila entre o abuso físico e a violência física contra a criança. O abuso físico de pais contra filhos é entendido como o uso de força física com a intenção de ferir a criança, ou quando se usa a força física contra a criança sem intenção de feri-la, mas existindo o risco de causar dano, físico ou não. A violência física no ambiente doméstico contra a criança é um ato com a intenção de causar dano, sendo entendida como o uso de força física que causa ferimentos. O dano causado pela punição física pode ser interpretado além do dano físico, como o dano moral, psicológico, entre outros.
Vários estudiosos[4] da área consideram que a punição física insere-se em um só contexto de violência, que vai desde uma simples palmada até o espancamento. Esse tipo de pesquisa tem gerado movimentos, na atualidade, em direção à proibição da punição física no ambiente doméstico, na relação interpessoal de adulto e criança, particularmente no relacionamento de pais e filhos[5].
Existe também, o conceito de abuso-vitimização física, que engloba variadas formas de punição física contra a criança. De um lado, está o abuso que envolve os castigos extremos e inapropriados à idade e à compreensão da criança. Do outro lado, está a vitimização que envolve a punição física descontrolada e com instrumentos.
A pesquisa científica vem apontando as dificuldades de se estabelecer na relação intrafamiliar, isto é, na privacidade do lar, a fronteira entre punição física, abuso físico e violência física. Constatou-se que pais ou cuidadores que acreditavam na punição física como método educativo agrediam, com maior freqüência, seus filhos; bem como que pais denunciados ao SOS Criança de Curitiba por maus-tratos contra os filhos não tinham consciência de que estavam agindo com excesso, mas alegaram estar educando e corrigindo o comportamento da criança ou do adolescente.
Além disso, estudos apontam para os riscos do desenvolvimento emocional da criança, que pode associar a dor que sente na aplicação da punição física com o amor em relação aos seus pais. Tal emparelhamento de estímulos pode ensinar a criança a usar o mesmo método em outras situações de sua vida ou mesmo a suportar situações aversivas e disfuncionais que deveriam ser terminadas.
A punição física na relação do adulto com a criança historicamente foi sendo construída na medida em que uma concepção de infância corrupta requeria o combate dela por meio da vara, da palmatória, ou seja, da punição física.
É interessante mencionar que a punição física na relação de pais e filhos no contexto brasileiro esteve presente desde o Brasil Colônia. E há informações de que os jesuítas foram os que socializaram a punição física no contexto brasileiro.
O que é a punição física? Para Straus (1994, p.197), “punição corporal é o uso de força física com a intenção de fazer a criança experimentar dor, mas sem machucá-la, com a finalidade de correção ou controle do comportamento da criança”.
A punição física significa, portanto, infligir dor a uma criança de modo intencional para que ela pare com o comportamento indesejado ou inadequado sob o ponto de vista do adulto. Assim, a punição física, independente da forma em que apareça, é, no mínimo, uma agressão ao corpo da criança.
Acredito que a criança deve ser ensinada no caminho em que deve andar. A ela foi dada a capacidade de aprender através do diálogo. A comunicação verbal é uma característica humana.
Pense: Bater em animal é crueldade! Então, bater em criança não pode ser educação.




Paulo Alexandre




[1]WEBER; VIEZZER; BRANDERNBURG, 2002
[2] WEBER; BRANDENBURG, 2005
[3] AZEVEDO; GUERRA, 2005; WEBER; VIEZZER; BRANDERNBURG, 2002; WEBER; BRANDENBURG 2005; VITOLO et al., 2005
[4] STRAUS, 1994; AZEVEDO; GUERRA, 2001; WEBER, 2001; DAY et al., 2003; GUERRA, 2005
[5] ONU, 2006; PROJETO DE LEI, 2003

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

DOM SUPREMO

Tenho o privilégio de pertencer a uma comunidade Presbiteriana. Digo isto com humildade, mas de boca cheia. É uma comunidade que neste mês completou 150 anos de Brasil. Aqui chegou, em 12/08/1859, através da visão missionária da Missão dos EUA e de um jovem[1] de 26 anos de idade, recém formado em teologia na Universidade de Princeton. Não muito depois da chegada de Simonton, veio o cunhado dele; também, teólogo e a irmã. Assim, iniciou-se a família Presbiteriana no Brasil. O trabalho predominante foi no sudeste, região que até hoje é o ponto forte dessa comunidade.

Na realidade, tenho o privilégio de pertencer a uma família Presbiteriana. É mais do que uma comunidade religiosa. Ali se escolhe a liderança democraticamente, por eleição e por tempo determinado. É um lugar de convivência e de desenvolvimento humano. Trabalha-se a espiritualidade, a boa música, o canto, o teatro e valores (amizade, honestidade). Gosto da predominância do clima de bastidores de vencer/vencer; bem como, do trabalho da incerteza com a certeza revelada. Existe um esforço de manifestação da alegria, pois não deve ser triste um coração que ama o Supremo Imperador do Universo.

Como toda família, ela também tem problemas. Mas, todo problema tem solução. Ainda mais para uma família que tem nas mãos 66 cartas de amor deixadas por um pai amoroso. Ressalto que desde o início da família Presbiteriana no Brasil, 1859, os instrumentos nas mãos dos pioneiros eram: um livro (a Bíblia) e um hinário.

Na Bíblia, em uma de suas cartas, o pai dos pais diz o seguinte: “o amor jamais acaba”[2].

O que me chama a atenção é que o amor jamais acaba. É o amor que torna possível a convivência nas diferenças. É o amor que nos faz enxergar no outro um potencial adormecido que precisa ser concretizado historicamente. O amor é visionário. O amor está lá para ser descoberto. Esse amor que jamais acaba me faz pensar numa fonte inesgotável. Neste caso é um amor dom divino. Descoberto por mediação sobrenatural da terceira pessoa da Trindade. Contudo, precisa ser cultivado. Mas sempre estará lá, à disposição dos que se submeterem às regras divina.

Característica do amor divino é a capacidade de se sacrificar. Há tantos sacrifícios que se faz em relação à família. E existem sacrifícios curiosos. Exemplifico com dois casos. Um é o de um membro da família que se reveste da autotranscendência[3]. É comum as mães manifestarem essa capacidade de autotranscendência em relação aos cuidados de seus filhos. As mães chegam em casa cansadas, depois de um longo dia de trabalho. Além do cansaço, elas têm necessidades fisiológicas (fome, sede, ir ao toalete) que precisam ser supridas. Mas, encontram um filho chorando e necessitando de colo. Diante deste quadro, há mães que esquecem, temporariamente, as necessidades fisiológicas, para poder atender em primeiro lugar as necessidades da criança carente de afeto. Entretanto, meu exemplo é de um membro da família talvez não muito simpático (genro, nora, sogra, sogra, cunhado, cunhada), mas que supera as diferenças, para agradar o outro significativo na convivência com a família. Estar junto da família de origem do outro pode não dar tanto prazer, mas é um exercício desse amor que dura para sempre; pois exige a autotranscendência. Outro exemplo, que imaginei, é o de um adolescente corinthiano que mora com a mãe e o marido dela. O conflito entre o adolescente e marido da mãe está no nível das torcidas organizadas, pois um é corinthiano e o outro é palmeirense. A outra face do conflito está por conta do objeto comum de amor de ambos: a mãe para um e a mulher para o outro. Por conta disto, ambos se digladiam em ofensas verbais. Quem de fora olha, compreende que, por um lado, o adolescente requer a proteção da mãe. E de outro lado, o marido que não é o pai do filho dela acha que ela o superprotege e se esquece dele (o marido). Quero imaginar que num dia dos pais o adolescente persuadido pela mãe, escolhe comprar uma lembrança de dia dos pais, também para o sujeito que não é seu pai. Assim, o adolescente revestido da autotranscendência pensando no outro, oferece ao marido da mãe, que é pai também, um presentinho. Um presente que lhe custou muito, não financeiramente. Para comprá-lo precisou negar a si mesmo, macular a torcida organizada. Ele comprou de lembrança de dia dos pais um chaveiro palmeirense para o seu rival, tanto no time quanto na disputa do objeto do amor. O menino até teve vontade de comprar um chaveiro do timão. Não faltou tentação. O vendedor lhe ofereceu um bom desconto para a compra do chaveiro do timão. Mas ele não o fez. Pensou no outro significativo. Pensou na felicidade da mãe. Não queria magoá-la. Anulou-se, matou-se, abnegou-se... O padrasto ao receber o presente ficou felicíssimo e o abraçou de tanta alegria. A mãe não precisa nem mencionar. O adolescente demonstrou que o amor jamais acaba e que este amor é sacrificial, mesmo que o casal não tenha se dado conta disso.

Realmente, o amor jamais terá fim. O amor deve ser preferido em relação aos demais dons que são temporários e perecíveis. E quem conhece esse amor sabe que ele precisa ser exercitado e cultivado. O amor é paciente, benigno, compassivo, não procura os seus próprios interesses.

Viva o amor divino. Que ele o encontre! E quando isso acontecer, desfrute intensamente dele. Eu tenho o privilégio de desfrutá-lo na comunidade Presbiteriana. A ela meus parabéns pelos seus 150 anos.

Paulo Alexandre.

[1] Asbhel Green Simonton, fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil.
[2] I Coríntios 13.8
[3] Capacidade de atender as necessidades do próximo, antes mesmo das suas próprias.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

AS MÃOS!

Mãos e meio-ambiente

Mãos que desperdiçam água e energia; jogam lixo no chão;
Mãos sem noção de mordomia!

Mãos que preservam e cuidam do meio ambiente,
Mãos com consciência planetária!

Mãos que produzem produtos orgânicos: ovos, leite, iogurte, milho;
Mãos que escolhem o consumo de produtos orgânicos!


Mãos e sabão

Mãos antes das refeições,
Mãos habituadas à higienização!


Mãos lavadas após a toalete usada,
Mãos que podem tocar e ser tocada!

Mãos na região oral,
Mãos com matéria orgânica!


Mãos de pessoas saudáveis,
Mãos hospedeiras de Candida parapsilosis!


Mãos e profissão

Mãos que curam,
Mãos amigas, altruístas e misericordiosas!

Mãos de um escritor, isto é, de um tradutor[1];
Mãos de um leitor ávido por palavras, também um tradutor!

Mãos que tocam mercadorias com e sem rastro,
Mãos do comprador!


Mãos de pintura,
Mãos de produção pictórica!


Mãos em serviços de saúde,
Mãos higienizadas, lavadas com sabão!

Mãos de manipuladores de alimentos,
Mãos em redução de contaminação com o banho constante!

Mãos que carregam tábuas, pedras, tijolos;
Mãos dos operários que constroem para os outros!

Mãos e sofrimento

Mãos que já apanharam,
Mãos que aprenderam a lição: bater nunca mais!

Mãos que lavam, em excesso, as próprias mãos,
Mãos compulsivas e obsessivas!

Mãos cravadas por pregos, em favor do transgressor;
Mãos dignas das marcas inevitáveis!

Mãos e agressão

Mãos que tocam maldosamente o corpo de uma criança,
Mãos transgressoras; quer seja com ou sem autorização!

Mãos de adultos transgressores,
Mãos que maculam a infância!

Mãos firmes, com o dedo em riste;
Mãos que não batem nas mãos, nem no corpo da criança!

Mãos agressivas, sem palavra;
Mãos que fazem xingamentos com os dedos!


Mãos e coragem

Mãos limpas, não de Gomorra[2],
Mãos que dizem não à corrupção!


Mãos que dão e sabem receber,
Mãos sem o toma lá e dá cá!

Paulo Alexandre.

Revisão do texto: Silvana P. Brito
[1] José Saramago afirma que escrever é um trabalho de tradução. Disponível em: < http://caderno.josesaramago.org/>. Acesso em: 27/jul./2009.
[2] Alusão ao livro do jornalista Roberto Sabiano: Gomorra, 2a ed., Bertrand Brasil.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

SONHO

Sentado ali foi que vi a menina franzina passar. Mexi com ela, chamando-a pelo apelido que tivera. Ela não deu bola. Talvez o apelido estivesse em desuso ou ela aprendera a não dar mais bola para apelido. Ela não era grande nem pequena. Ela tinha treze anos de idade.
A mãe, dizia que ela era muito fantasiosa e sonhadora ao extremo. A opinião da mãe a deixava muito nervosa. Sentia-se imprestável.
Porém, não queria ser conhecida como menina boazinha e prestativa. Ouvira colegas falar de mãos de adulto que passeavam sobre as pernas das boazinhas.
Não se engane, coisas assim acontecem!
O pai de Gina era de muita conversa.
É assim em quase toda casa, um é falante outro é mais calado. Há sempre pessoas diferentes ao redor.
Ele aconselhava, mostrava as razões pelas quais ela deveria pensar antes de tomar uma decisão. Ele a incentivava a ter coragem de ir e continuar tentando mesmo que, às vezes, um erro pudesse ser cometido. Afinal, só erram os que ousam. Julgava-a capaz de prosseguir sozinha, pois ninguém podia viver a vida no lugar dela.
Como todo adolescente, ela tinha lances de revolta e de lamentação, pois não queria ser menos do que podia ser. Porém algo era certo: ela sabia o que queria e tinha pressa de viver.
Era uma menina que não depreciava o presente.
Vivia intensamente cada momento. Amava os rios, as pedras, as flores, os beija-flores, as aves, as nuvens. Enfim, apreciava as coisas grandes e pequenas.
Era agradecida e festiva. Tudo era motivo para ser feliz.
Até mesmo receber uma simples correspondência, escovar os dentes e possuir seus objetos de higiene pessoal.
Gina tinha um irmão bem mais velho. Ele não a incomodava.
Ela sentia que estava chegando a hora de zarpar, de bater as asas e voar para longe. Sentia medo. Ir em direção do novo é desconfortável, causa medo. Este, não era só dela. A mãe, o pai e o irmão mais velho também sentiam.
A família estava tentando elaborar um luto, pois o corpo de criança desaparecera. Os seios, os pêlos púbicos, a menarca e a alteração da voz eram indicações de mudanças. Para todos eles era difícil falar sobre esse assunto. Se os pais soubessem que para ela era melhor ouvi-los dizer que os muitos “nãos” dados foram por medo. Medo de perdê-la. Medo de que ela sofresse. Medo de serem esquecidos. Medo, simplesmente medo!
Mas a adolescente queria era lançar-se ao mar desta vida. Queria como os discípulos de Jesus enfrentar o mar da Galiléia. E se a tempestade aparecesse a Jesus se apegaria.
Ela sabia também que o tempo dela era um tempo de preparação. Não podia deixar os pais e percorrer seu caminho nesse mundo antes da hora, apesar do desejo grande que tinha de zarpar tal qual navio.
A espera e a preparação para o futuro antecipavam a ansiedade. Foi assim que numa noite ela sonhou.
Sonhou com um poço. O lugar era deserto. Distante algumas mulheres pastoreavam seus rebanhos. Todas caminhavam em direção a um poço. Gina, no sonho, seguiu o fluxo. Foi parar em frente a um poço. Aproximou-se das pessoas que estavam próximas do poço. Havia uma moça enchendo um balde para dar de beber às ovelhas do seu rebanho. Gina, que era cara de pau, foi logo xeretando, querendo saber nome, endereço, e-mail, msn, Orkut, twitter e tudo o mais.
Por ser enxerida, descobriu que a pastora do rebanho chamava-se Rebeca. Esta, contou-lhe que levava o rebanho todos os dias à tardinha para beber água do poço, pois acreditava que um homem viria de um país distante para descobri-la como noiva do filho de seu Senhor.
E assim foi. Um dia Rebeca estava à beira do poço, quando o servo de um homem importante chegou. Pediu água para si e para seu animal de carga. Ela o deu. Ele se apresentou e disse que vinha de um país distante. Quis conhecer a família dela. O sonho dela se realizou. Rebeca casou-se com Isaque.
Quem sonha, cultiva. Seja rosa, violeta ou borboletas. Sonhar faz bem.
Gina acordou do seu sono e do seu sonho. Surpresa ficou, quando se lembrou, não de um sonho, mas de uma amiga que no poço passou um dia de castigo.
Em breve conto essa história.

Paulo Alexandre

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

ALGO ME SEPARA DE TI!

Este santo oferecimento dos meus desejos ao Absoluto ocorreu numa tarde de 2004, quando estava em meu consultório numa pausa dos atendimentos aos meus pacientes. Não verbalizei, mas escrevi. Traduzi meus sentimentos e pensamentos em palavras. Claro que, posteriormente, reli e fiz pequenos ajustes. Eis o que escrevi.

Nos velhos tempos do Antigo Testamento[1] eu viveria no átrio[2] dos gentios. O meu distanciamento de Ti[3] se daria pela etnia. Por mais que eu tentasse, lutasse, protestasse nada ou quase nada mudaria, tudo permaneceria como o estabelecido. Eu estaria lá, no átrio dos gentios; lugar dos homens que nasceram fora dos limites geográficos considerados santos[4], homens que não passaram pelas barrigas das mulheres cujos maridos eram homens destinados aos lugares mais sagrados. No passado o que me separaria de Ti seria a minha etnia. Eu seria classificado como o filho do profeta Oséias “não-meu-povo”. Mas o Senhor destruiu o templo, acabou com o lugar sagrado de poucos homens. Eles tiveram que aprender a adorá-lo sem lugar, pois Tu estás em todo lugar. Eles tiveram de aprender a fidelidade fora do lugar sagrado, pois o mundo é o lugar em que devemos viver para Ti. Sem o templo, representação do que havia de mais sagrado, o povo hebreu aprendeu a manter comunhão contigo através da leitura e meditação da lei. Foi nessa época em que a Sinagoga teve sua importância não como lugar dos átrios, da separação; mas do ensino da lei, da alfabetização dos meninos. Meninos fiéis como Daniel, Sadraque, Mesaque, Abdenego. O apego do teu povo à lei escrita, em substituição ao templo, era para treiná-lo na interpretação correta da chegada do Messias. E o Teu povo aprendeu a ser zeloso.

Senhor, mesmo que eu tivesse nascido no Período Interbíblico, eu não seria teu povo. Pois só os judeus tinham essa marca.

Acredito que nem um Zelote eu poderia ser, isto é, um revolucionário que se empenhava pela libertação do povo judeu da subjugação dos romanos. Nem mesmo Saduceu, pessoa doutrinada para não crer na ressurreição dos mortos. Não estaria entre os Fariseus, que se consideravam santos e que desejavam sempre formar um povo cada vez mais santo. Nem seria um Escriba. Homem com 40 anos de dedicação à vida acadêmica, para copiar as sagradas letras. Copiava letra por letra e, ao se deparar com o Teu nome impronunciável, trocava de caneta para com ela, única e exclusivamente, escrever o nome de Iavé.

Eu pela insistência em Ti servir seria apenas um “temente”.

Na realidade, é mais provável que eu estivesse entre os romanos, adorando as divindades. Usaria um véu em minha cabeça, para em sinal de submissão à autoridade dos deuses, um sacrifício oferecer.

Senhor, eu Te agradeço. Teu Filho Jesus Cristo rasgou o véu que me separava de Ti, quebrou os átrios, tornou possível uma vida santa no mundo independente de etnia.

Senhor, eu me entristeço; pois nós ainda construímos muros de separações. Achamo-nos mais santos que os outros; construímos simbolicamente átrios para as mulheres e crianças, e, um lugar especial para os homens que consideramos mais santos. Muitas vezes, parecemos fariseus, saduceus, zelotes, escribas...

Sei que, no que depender de nós (humanos), estamos cada dia mais distantes de Ti. Tu és Aquele que derruba os muros da separação. Peço-te que derrubes os meus muros: minha incapacidade de enxergar os teus propósitos em favor do próximo, minha incompetência de abandonar os caminhos da separação...

Eu confesso: sem perceber eu posso estar cada dia mais longe de Ti. Por isso, cuida de mim!
Paulo Alexandre

[1] Alusão aos 39 livros da Bíblia.
[2] Alusão ao templo de Salomão que tinha lugares específicos para pessoas não judias, ou para as mulheres, etc.
[3] O Ti se refere a Deus, o Absoluto.
[4] No Antigo Testamento o povo escolhido está entre os Hebreus.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

IMAGÉTICA DA MÃO!

Mãos do João, do Abraão, do Moisés e do Paulo;
Mãos masculinas!
Mãos da Maria, da Márcia, da Sara e da Edna;
Mãos femininas!
Mãos de pai e de mãe, tanto do coração quanto biológicos;
Mãos para o bem, que devem proteção e carinho à criança!

Mãos de tio e de tia, de avô e de avó;
Mãos familiares e responsáveis!
Mãos de criança,
Mãos frágeis e dependentes!
Mãos de adolescente,
Mãos em situação peculiar de desenvolvimento!
Mãos que brincam,
Mãos da infância, da adolescência e da “envelhescença”!

Mãos divina, todo-poderosa;
Mãos, boa e segura, que guiam!

Mãos e lateralidade

Mão esquerda,
Mão canhota!

Mão direita,
Mão destra!

Mãos que escrevem,
Mãos destras, canhotas e ambidestras!

Mão direita que toca a orelha esquerda,
Mão que treina lateralidade!

Mão esquerda que toca o olho direito,
Mão em treinamento!

Mão direita que ergue a perna direita,
Mão insistente no treino!

Mãos surpresas diante de pés que seguram o giz e escrevem[1];
Mãos de pessoas que apenas sabem desenhar o próprio nome!
Paulo Alexandre

[1] Alusão ao filme: Meu pé esquerdo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A NOIVA

Não era um dia como qualquer outro, apesar de aparentar mesmices: o brilho do sol, a beleza da paisagem, os pássaros cantando em sinal de demarcação de território. Uma excitabilidade agradável envolve a moça bonita que receosa se aproxima da imponente catedral. Cada passo dado representava para ela vida nova e abandono de uma vida conhecida.

Enquanto subia a pequena ladeira, avistava a escadaria do belíssimo monumento arquitetônico que escolhera para realizar sua tão sonhada cerimônia de casamento. De frente para uma bela praça, ladeada por duas ruas comerciais e de costas para uma importante avenida de acesso a ambulatórios e hospitais esperava seu público alvo: as noivas. O templo ladeado por dois grandes coqueiros, de copas bem formadas e aninhadas de pássaros, faziam a noiva se lembrar do sagrado texto: “o pardal encontrou casa, e a andorinha ninho para si, onde crie os seus filhotes, junto aos teus altares, ó Senhor dos exércitos, Rei meu e Deus meu”.

Ao pé da escadaria, os olhos da moça se elevam às alturas contemplando o azul celeste.

Agradecida pela bênção do casamento naquela igreja, balbucia algo ao criador.

A noiva era muito bonita. Quem por ela passava, observava sua beleza. Havia algo naquela jovem, esbelta e biófila, que atraia os olhares das pessoas. Ela era de fato muito linda, linda, linda mesmo. Difícil descrevê-la.

Ela, ao pé do templo, do espaço conhecido como sagrado, que escolhera para unir-se em matrimônio com alguém. Subiu o primeiro e o segundo lance de escada contando cada degrau, antes de subir o último lance com doze degraus parou para observar a praça com ipês amarelos, coqueiros, grama aparada e o colorido das flores. Por poucos momentos apreciou a brisa acarinhando a sua pele, imaginando as mãos do ser amado tocando seu corpo como o verso sagrado diz: “A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a sua direita me abrace”. Balbucia: que gostosura. Continua a subida e chega ao hall de entrada, passa pela porta da frente da nave do templo e caminha em direção ao altar. Conta os passos da entrada do templo ao altar. Imagina-se na noite em que dará cada passo da entrada ao altar e cumprimentará cada convidado, da direita e da esquerda, com um discreto sorriso enquanto todos eles estarão em pé ouvindo a marcha nupcial e olhando para ela o centro de toda atenção.

Os passos do reverendo interrompem sua antecipação do futuro. Um homem de uns trinta e dois anos de idade a cumprimenta e se apresenta como pastor daquela paróquia. Ele a convida para o escritório paroquial, uma sala bem iluminada, com um divã azul marinho, um sofá de dois lugares e uma poltrona. Ele sentou-se na poltrona e deixou-a escolher entre o divã e o sofá. Ela sentou-se no sofá, por achá-lo, mais confortável. Conversam sobre a liturgia da grande noite. A fala dela, nos pequenos questionamentos, penetrava delicada e suavemente os ouvidos daquele santo acostumado à escuta de suas ovelhas.

Ela preocupada com o sobrenatural, mas atenta para o que estava tão perto dela; revela-se romântica, sonhadora, confiava que um dia a graça do Senhor Soberano do Universo lhe traria alguém, não a cara metade, não a alma gêmea. Mas, alguém inteiro de carne e osso com quem ela poderia partilhar a sua vida.

Seu sonho estava sendo realizado. Ela sabia que a felicidade que almejava não viria numa caixa de presente com um belo laço encima. O que contava era seu esforço de viver cada dia agradecendo pelo privilégio da aventura de viver...

Paulo Alexandre

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Tempus Fugit

Saudade palavra triste quando se perde um grande amor, ouvi tanto essa canção na infância. Saudade vem com a distância. Sente-se saudade do tempo que passou. É seguro pensar no passado imutável. Um amigo costumava contar-me, com saudade, as suas andanças pelo país. No final da década de 80 e início da de 90 ele realizava mais uma de suas aventuras. Mudança de cidade, por causa do seu trabalho. Para ele isso era um prazer indescritível. Creio que sem essas aventuras ele seria um peso morto. Entretanto, as mudanças renovavam suas forças, elas eram o seu sentido (logos), o seu algo. Amava a expectativa do novo, do que encontraria: nova casa, novo ambiente de trabalho, nova etapa acadêmica, nova vizinhança. Enfim, muitas novidades. Apesar de nem tudo ser agradável em uma mudança, que pode gerar um pouco de insegurança e ansiedade, ele gostava do friozinho na barriga da possibilidade de que algum infortúnio ou perigo pudesse acontecer. Sua busca diária era por algo, pois já tinha alguém muito especial. Do fruto da sua relação conjugal de vários anos, quatro belos filhos era sua herança. Dois meninos e duas meninas, uma escadinha de dois em dois. Mas, provações não faltam. E elas são boas, pois nas horas das dificuldades se coloca à prova a filosofia de vida que se tem nos dias alegres (Elisabeth S. Lukas, 1993). E ninguém está livre de provações. O Senhor Jesus foi provado por 40 dias no deserto. Satanás ofereceu-lhe riqueza, poder e desafiou-O em relação a sua condição de Filho de Deus. Jesus permaneceu firme, sereno e tranqüilo, mantendo nos lábios a recitação da Palavra de Deus. Os ouvidos do tentador não suportaram por muito tempo as recitações das Escrituras, que jamais voltam vazias. O ser angelical do mal fugiu. É como diz o apóstolo Pedro: resisti ao tentador e ele fugirá. José, filho de Jacó, foi provado por várias vezes e de muitas maneiras. Numa de suas provações a mulher de seu patrão o assediou sexualmente. Ele resistiu. Ao perceber que os seus argumentos não eram fortes para impedir a esposa do patrão em seu intento, ele saiu correndo, abandonou aquela cena. Como a corda sempre arrebenta do lado mais fraco, ele foi parar na prisão. Mas lá encontrou um novo sentido e começou a prosperar. É como diz Frankl (1990), a pessoa humana está à procura de sentido em algo ou alguém, que não seja ela própria. Não há nada de errado em ser provado. O erro está em ceder à provação. Quem cede mancha a filosofia de dias alegres. Quem nos dias alegres proclama que vai viver na alegria e na tristeza com o seu amor, confirmará a força de suas palavras quando for acometido pelas dificuldades. Há quem tenha coragem de dizer nos dias alegres: Custe o que custar vou fazer a minha amada feliz e terei como efeito colateral a felicidade. Entretanto, nos dias felizes se fala muita coisa. Mas no dia em que a dificuldade bate à porta a filosofia de vida dos dias alegres é provada. O noivo, no altar embalado pela emoção do momento, diz belas palavras para a noiva, diante de todas as testemunhas. Palavras que serão provadas no cotidiano da vida a dois, enquanto se come um quilo de sal juntos. No caso do meu amigo, a vida havia preparado para ele uma inesperada provação. Diante dela, ele teve de se perguntar: “O que a vida espera de mim[1]” diante dessa prova?

Paulo Alexandre
[1] Viktor E. Frankl.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

AS COISAS NÃO SE EQUILIBRAM NUM PASSE DE MÁGICA.

Eu vivi muitos dias com medo de um ataque de pânico. E quem viveu o medo, o pavor de sintomas incômodos não é mais um ser humano normal. Quem passou pelo campo de concentração jamais esquecerá o horror, o cheiro de morte e a perda de controle. Viver o que a vida espera de uma pessoa é muitas vezes se entregar ao seu destino de maneira completa e digna. Viver fora dos limites do campo de concentração exige uma re-aprendizagem. Eu teria de aprender a viver sem o medo de um ataque de pânico. Horas e horas da minha vida foram consumidas por sintomas e pensamentos recorrentes de medo de que os sintomas de pânico aparecessem novamente.
A pessoa que vivenciou sintomas apavorantes como os de pânico precisa saber que não é mais vítima, mas escolhe a reação singular. Não importa o que os sintomas exijam dela, importa sim, a reação única que só ela pode esboçar. É a liberdade que a pessoa tem para decidir como vai reagir ao que os sintomas lhe fazem. Ela já sabe que controlar sintomas involuntários não funciona. Predispõe-se a vive-los novamente, se for preciso, mas sabe que não será como da vez anterior, pois tem agora uma técnica de controle: o cultivo de uma amizade com o seu medo.
Seria maravilhoso se existisse uma poção mágica para nos isentar de vivermos sintomas como os de transtornos de ansiedade. Mas a realidade é que poção mágica não existe. Pedi para alguém que trabalha com bisqui fazer três enfeites de mesa que entendi simbolizam o desejo humano pelo que é mágico. Duas chaleiras e um caldeirão, todos com o rótulo: “mandrágoras”. No Antigo Testamento as mandrágoras eram consideradas plantas da fertilidade, por isso Raquel a esposa amada de Jacó quando soube que Lia sua irmã (a outra esposa de Jacó da imposição da cultura da época) tinha uma poção de mandrágoras negociou com ela. Deu em troca da planta mágica o tempo que teria com Jacó. O que é mágico não funciona. Advinha quem ficou grávida?
Depois que os sintomas de pânico começaram a se espaçar comecei a pensar numa forma de utilizar o meu tempo livre que tinha agora. No processo de psicoterapia o psicólogo insistiu: “O que você fará com o tempo livre que terá na remissão dos sintomas?” Enquanto estava com medo de um novo ataque de pânico gastava tempo e energia envolto no medo do próprio medo. Agora sem o medo do próprio medo terei tempo livre para pensar outras coisas e planejar no presente a minha vida. É bom na crise refletir sobre o que se irá fazer quando não mais vivenciá-la. Isto ajuda a elaborar o futuro e a reagir no presente. E hoje tenho mais tempo para leitura e reflexão, estou aprendendo a viver sem a imposição do medo.
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